Fora da lista de 70 cidades da América Latina com ônibus elétricos, Rio volta testar veículo desse tipo em linhas após 11 anos
20/09/2025 - O Globo
Por João Vitor Costa
Linhas 301 e 302, que ligam o Terminal Gentileza até a Barra da Tijuca, são as primeiras a receberem o coletivo movido a bateria.
Das 70 cidades da América Latina que têm ônibus elétricos em sua frota, 26 delas estão no Brasil, entre elas nove capitais. O Rio, no entanto, está fora da lista, que tem Santiago, no Chile; Bogotá, na Colômbia; e a capital paulista como os maiores exemplos, conforme mostra a plataforma E-Bus Radar, que monitora a eletrificação da frota no continente. Mas é possível melhorar esse panorama, com a futura licitação do sistema na capital, que se aproxima. Enquanto isso não acontece, uma empresa de ônibus que opera no município testa por iniciativa própria um veículo elétrico, o que não acontecia na cidade há 11 anos.
O ônibus, modelo Apache Vip V, chegou à garagem da Auto Viação Tijuca — conhecida como Tijuquinha — no último dia 4. O início da operação com passageiros começou na semana seguinte, nas linhas 301 e 302 (Terminal Gentileza–Barra da Tijuca). Antes, o veículo foi usado no treinamento dos motoristas. O teste durará um mês.
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Ônibus elétrico tendo a bateria carregada na garagem da Auto Viação Tijuca, no Andaraí
Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Suas oito baterias ficam instaladas entre as rodas do veículo e o motorista, enquanto dirige o ônibus, que é automático, também vê uma tela no painel que indica quanto de bateria o veículo ainda tem. O motor é silencioso. Ao fim do dia, o coletivo será carregado numa estação instalada na garagem, no Andaraí, na Zona Norte.
— O grande desafio é avaliar a questão da autonomia da bateria — observa o porta-voz do Rio Ônibus, Paulo Valente.
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78%: visor no painel mostra nível de bateria do ônibus elétrico
Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
A última vez que um ônibus elétrico foi testado em linhas municipais foi em 2014, no trajeto da 249 (Água Santa—Carioca). Mas há casos recentes de testes em cidades como Niterói, Petrópolis e Nova Friburgo. Outro exemplo foi vivido na linha intermunicipal 417T (Xerém—Barra da Tijuca), no meio do ano. Segundo o Detro-RJ, a autonomia foi de 280 quilômetros e novos testes estão programados para as próximas semanas. A futura licitação das linhas intermunicipais “prevê o uso de veículos com energia mais limpa, sejam eles elétricos ou a gás”, pontua o órgão estadual.
Bem menos poluentes, os veículos elétricos são sinônimos de uma melhor qualidade de vida nas cidades em que são usados. Na última sexta-feira (19), a Secretaria municipal de Transportes carioca publicou uma resolução, com regras para testes com esse tipo de veículo, que podem durar 30 dias corridos, prorrogáveis por mais um mês. O percurso feito pelos ônibus em teste, que devem ter validadores do Jaé e GPS instalados, não contará na meta de quilometragem das linhas. Os dados colhidos durante o período em operação, como o consumo médio de bateria por quilômetro e o tempo de recarga, deverão ser enviados à pasta em até uma semana após o fim do teste.
De acordo com as metas da prefeitura, um estudo de modelagem, com análise de custos de aquisição de ônibus elétricos, deve ser elaborado até o fim do ano, para que os primeiros coletivos do tipo cheguem ao Rio em 2027.
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Ônibus elétrico foi testado na linha 249 (Água Santa x Carioca) em 2014
Foto: Fábio Guimarães / Agência O Globo / 28-03-2014
São Paulo enfrenta falta de estrutura
Após testes, Volta Redonda, no interior do estado, incorporou à frota três ônibus elétricos, que circulam em trajetos que passam por centros comerciais da cidade. Esse é o único município fluminense no E-Bus Radar, atualizado pela última vez em julho. São Paulo é o estado com mais representantes, treze, seguido por Paraná (três) e Bahia (duas). A lista, com cidades em todas as regiões do país, tem a capital paulista como aquela com mais ônibus elétricos do país: 855, segundo a plataforma, entre trólebus e veículos à bateria.
A cidade, que caminha para ter a maior frota elétrica de ônibus da América Latina, enfrenta seus desafios. Em março, o prefeito Ricardo Nunes atribuiu à falta de estrutura — apontando para a concessionária que fornece energia elétrica — a dificuldade em avançar na renovação no sistema. Segundo a SP Trans, que gere o sistema de transporte em São Paulo, o número de ônibus elétricos é atualmente de 930 (7% de uma gama de 12 mil coletivos em circulação).
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Cidade de São Paulo tem frota de 12 mil ônibus em operação
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo / 03-10-2023
Os primeiros foram os trólebus, na metade do século passado, seguidos pelos coletivos movidos a bateria, que chegaram a partir de 2019. Até 2028, a meta é substituir 2,2 mil veículos a diesel por modelos de energia limpa. "A Prefeitura trabalha para viabilizar a ampliação da frota limpa com ações como a instalação de equipamentos de BESS (Battery Energy Storage System), que permitirão aumentar a capacidade de recarga nas garagens em até seis vezes", informa o município.
Marcel Martin, diretor-geral do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT, sigla em inglês), avalia que os testes, como os que ocorrerão no Rio, são "um bom início". A entidade é a responsável por manter o E-Bus Radar, junto ao grupo C40, que reúne grandes cidades do mundo na liderança pelo clima. Para o especialista, a grande diferença do Brasil para países vizinhos é a ingerência sobre o sistema de ônibus. Enquanto em Santiago e na Bogotá, as duas cidades com mais ônibus elétricos na América Latina, 2.550 e 1.486, respectivamente, isso fica a cargo do governo federal, no nosso país isso é atribuição de cada município. Isso faz diferença, visto que um coletivo deste modelo é três vezes mais caro que um a diesel, por exemplo.
— Mais do que conseguir, a gente precisa chegar nesses números (eletrificar a frota) porque está dada uma emergência climática — diz Martin, que sugere que o Rio use informações de testes em outras cidades, como Curitiba, Salvador e São Paulo, para não "sair do zero" no tema. — O que está acontecendo foi puxado pelos prefeitos, que entenderam que podiam ter resultados concretos na redução das mudanças climáticas com a eletrificação dos ônibus.
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Ônibus elétrico da Auto Viação Tijuca será testado inicialmente nas linhas 301 e 302
que operam entre o Terminal Gentileza e a Barra da Tijuca
Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
A nova licitação de ônibus do Rio, que irá dividir a cidades em lotes, prevê inicialmente que os coletivos sejam da tecnologia Euro-6, menos poluente entre os veículos a diesel. Ao anunciá-la em julho, o prefeito Eduardo Paes admitiu que o projeto “é caminhar para o elétrico”, que deve entrar na licitação nas fases finais. Hoje, a cidade tem uma frota de 3,9 mil ônibus, todos a diesel. O Chile (que tem 2.761 coletivos elétricos), a Colômbia (1.590) e o Brasil (1.143) são aqueles com mais ônibus desse tipo no continente, que contabiliza 7 mil deles, ao todo.
Um estudo do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) em parceria com a startup Scipopulis, apoiado pelo Ministério das Cidades e publicado em agosto, analisou 18 sistemas de transporte do país. Foi avaliado que o Brasil tem potencial de substituir mais de 14 mil ônibus a diesel até 2030, a partir de critérios que avaliaram trajetos sem muitas subidas, com quilometragem que caiba da autonomia de ônibus elétricos e que estejam prestes a serem trocados por modelos mais novos. No Rio, esse número seria de cerca de 1.500 coletivos na capital, e outros 1.500 na Região Metropolitana.
Roberto Speicys, CEO da Scipopulis, afirma que o Rio é uma das cidades que "tem mais potencial" para eletrificar sua frota nos próximos anos. Segundo ele, a startup, junto ao ITDP e à consultoria Almeida & Fleury, agora ajuda a prefeitura do Rio com um planejamento que deve ficar pronto até o fim do ano:
— Estamos elaborando uma estratégia que garanta que essa transição vá acontecer. Que existam recursos para que isso seja feito, que a infraestrutura esteja implementada e que (a garagem) forneça energia para os ônibus que vão chegar.
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