Empresas de fretamento de ônibus lucram ao suprir demanda
19/08/2013 - O Globo
As filas que se formam durante a semana em frente aos grandes condomínios da Barra da Tijuca, do Recreio dos Bandeirantes e de bairros do entorno para o embarque dos moradores — em ônibus alugados pelos próprios condomínios — são testemunhas de um problema de mobilidade na região. A expansão da cidade para esses bairros não foi acompanhada pela ampliação da oferta de transporte coletivo de qualidade. A ironia é que em vários casos os serviços de fretamento, que custam aos condomínios mais de R$ 2 milhões ao mês, segundo levantamento de repórteres do GLOBO, são prestados por companhias dos mesmos grupos empresariais que exploram linhas convencionais que atendem à região.
As empresas Nossa Senhora das Graças e Útil, por exemplo, estão vinculadas à família de Jacob Barata, conhecido como o "Rei dos Ônibus”. Já a Reitur pertence ao grupo Real, líder das empresas do consórcio Intersul, que explora, entre outras, linhas que ligam a Zona Sul à Barra e ao Centro. Há ainda companhias que se dedicam apenas ao serviço de fretamento, como a Vênus Turística. Esta, porém, era acionista até 2010 da empresa City Rio Rotas Turísticas, uma das concessionárias da cidade. Ao todo, são oferecidos mais de dez mil assentos nos dias úteis, em pelo menos 70 ônibus. Os números foram estimados com base em informações dos condomínios.
Na teoria, esses ônibus, mais sofisticados, prestam serviço diferenciado, contratados por particulares. Eles ficaram fora da licitação de 2010, alvo da CPI em andamento na Câmara do Vereadores. Na época da licitação, a prefeitura apenas colocou em concorrência as linhas de ônibus tradicionais comuns, com ar-condicionado e frescões. Mas, na prática, os coletivos de condomínios se transformaram numa espécie de serviço paralelo ao convencional: fazem itinerários e têm pontos de embarque e desembarque semelhantes aos serviços regulares.
Apenas uma das linhas dos prédios do Bosque Marapendi (Centro-Barra, via Copacabana) tem 46 pontos autorizados pela prefeitura. Nos dias úteis, os moradores podem embarcar na Barra, a partir das 5h40m até às 20h30m, e desembarcar em sete bairros da Zona Sul, antes do ponto final, no Centro. Somente nas avenidas Vieira Souto (Ipanema) e Atlântica (Copacabana), por exemplo, existem dez pontos (cinco em cada uma). Há linhas também para a Tijuca, e alguns condomínios oferecem serviços circulares com pontos próximos a shoppings e supermercados. O acesso aos ônibus especiais é feito mediante a apresentação de documento que identifica os usuários como moradores.
Rio 2 é atendido por 33 ônibus
No condomínio Barra Bali, na divisa da Barra com o Recreio, o quadro de horários da empresa Útil mostra até a capacidade de adaptação. Na planilha, a empresa informa pontos alternativos para embarque no Centro, na hipótese de a Avenida Rio Branco ser interditada por manifestações. Já o Condomínio Rio 2, nas imediações do futuro Parque Olímpico, é atendido por 33 coletivos, que oferecem mais de cinco mil assentos diariamente em suas linhas.
— Num mundo ideal, os ônibus do transporte público deveriam oferecer a mesma qualidade dos ônibus dos condomínios. Mas não é isso que acontece. Me mudei para a Barra há 35 anos, quando os serviços de transporte regulares ainda eram mais deficientes. Os ônibus fretados eram o atrativo oferecido pelas imobiliárias — diz o síndico do condomínio Nova Ipanema, Ernesto Rodrigues.
Condomínio Parque das Rosas gasta R$ 500 mil por mês com ônibus fretados
Câmara Comunitária diz que serviço tira carros das ruas
RIO - Para o presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, se os ônibus fretados não existissem, os usuários migrariam para os carros de passeio, agravando os engarrafamentos:
— Acho que a tendência é reduzir essa dependência, com a chegada do metrô à Barra, em 2016. Além disso, muitas empresas abriram escritórios na Barra, reduzindo a demanda para o Centro.
Mas, por enquanto, não há sinais da redução da demanda. Um exemplo é o Parque das Rosas: em 1999, o serviço era prestado por 13 ônibus. Em 2008, eram 15. Este ano, a frota conta com 17 carros. Segundo o presidente da associação de moradores do condomínio, Cleo Tagliosa, o aluguel (R$ 500 mil/mês) é rateado entre os apartamentos:
— A qualidade desses ônibus, indiscutivelmente, é melhor que os tradicionais. Claro, além do conforto, o usuário se sente mais seguro, pois o acesso é limitado aos moradores.
O presidente do Rio Ônibus, Lelis Marcos Teixeira, argumenta que serviços diferenciados não são exclusividade do Rio e sua existência não pode ser atribuída à qualidade da frota tradicional:
— Vamos acabar com as linhas dos condomínios? Para onde iriam os passageiros? Esse tipo de transporte oferece padrão de qualidade adicional para tirar carros da rua. É o caso dos frescões, que existem em qualquer país. Mas, na hora em que houver a expansão dos corredores de BRTs, muitos que usavam esses ônibus vão migrar porque terão um transporte exclusivo, capaz de fazer o mesmo percurso em menor tempo.
A situação dos ônibus fretados na região já foi tema de pelo menos duas teses de mestrado na Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ. Um dos trabalhos é de Paula Leopoldino de Barros, que nos últimos anos foi coautora de vários manuais técnicos editados pela Federação das Empresas de Transporte (Fetranspor).
Na tese, defendida em 2008, ela observa que, entre 1991 e 2000, somente a Barra teve crescimento populacional ao ritmo de 5,58% ao ano, enquanto no resto do Rio foi de 1,81%. Entre 2004 e 2007, foram lançadas 37.787 novas unidades residenciais na Barra, no Recreio e em Jacarepaguá: "Dois fatores, oferta de transporte público inexistente e concentração de pessoas com mesma origem, contribuíram para a criação de serviços de fretamento”, escreveu ela.
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