Linha 474, que faz trajeto Jacaré-Jardim de Ala, tem rotina de ‘passe livre’, som alto e uso de drogas

21/09/2015 - O Globo

RIO - A linha 474, que liga o bairro do Jacaré ao Jardim de Alah, está no caminho dos últimos casos de violência na orla. Na tarde de sábado, foi de um ônibus que faz esse trajeto que saíram dezenas de jovens que fizeram o arrastão em Botafogo e no Humaitá. Ontem, em Copacabana, um veículo da mesma linha foi invadido. Um projeto da prefeitura, que vai racionalizar os ônibus no Rio, deve mudar o rumo do problema. Assim como acontecerá com outras linhas, ainda este ano, a 474 deixará de seguir até a Zona Sul, passando a fazer ponto final no Centro, na região da Candelária.

Uma equipe do GLOBO fez três viagens em ônibus da 474 no fim de semana, comprovando a rotina de medo a que os passageiros são submetidos. Jovens, indo para a praia, embarcam sem pagar, ouvem música alta, usam drogas e assaltam pedestres durante o percurso. Nas três viagens, nenhum veículo foi parado pela polícia.

No sábado, por volta das 9h, o ônibus seguiu vazio e sem problemas. Na segunda viagem, que começou por volta das 11h, no Jacaré, tudo parecia tranquilo, mas o clima logo mudou quando, em São Francisco Xavier, um grupo de cinco adolescentes invadiu o ônibus sem pagar, aproveitando-se da porta de trás aberta. Um deles carregava uma caixa de som, de onde se ouvia, em alto volume, um funk que fazia apologia ao tráfico de drogas.

Três pontos depois, outros jovens entraram e se juntaram ao grupo. Um deles trazia um celular que tocava outro funk em alto volume, provocando uma confusão sonora.

‘QUATRO-SETE-CRACK’

Alheios à regra que proíbe o fumo em ônibus, eles acenderam cigarros comuns e, em seguida, usaram maconha. A cena deixou os passageiros tensos.

— Começou o aroma do quatro-sete-crack — disse uma jovem a outra, que retribuiu com um sorriso nervoso.

A fumaça só cessou quando o coletivo chegou à Praça da Bandeira. No Centro, o veículo passou diante de uma blitz na altura da Central do Brasil, mas os policiais apenas olharam para dentro do veículo.

— Pena que não parou, para acabar com essa festa — sussurrou uma senhora para a mulher que estava ao seu lado com uma criança no colo.

No Túnel Novo, chegando a Copacabana, o grupo que ocupava a parte de trás do ônibus insistia para que o motorista deixasse a porta de trás aberta. Ele informou que não seria possível, pois havia uma blitz mais à frente. Foi então que um homem gritou:

— Espalha, espalha que eles não param!

Depois disso, o grupo se dispersou e passou a ocupar diferentes assentos. E o ônibus, de fato, não foi parado.

No domingo, a viagem começou às 10h30m. Dessa vez, não teve funk, mas no trajeto do Jacaré à Praça da Bandeira muitos jovens consumiram maconha. Só havia blitz já em Copacabana, na Avenida Princesa Isabel. Mas, novamente, os policiais não pararam o coletivo.

A CADA PARADA, UMA CHANCE PARA ASSALTAR

No trajeto feito pela linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah), o momento mais tenso é na chegada a Copacabana. Rapazes que ficam nas escadas da porta de trás dos ônibus se aproveitam das paradas para roubar objetos das pessoas que aguardam nos pontos. Durante as viagens feitas pelo GLOBO em veículos da linha no fim de semana, houve uma sequência de assaltos no percurso da Rua Barata Ribeiro.

No sábado, o ônibus chegou à Zona Sul por volta das 11h40m, e os roubos em série começaram no primeiro ponto do BRS da Barata Ribeiro. Após o coletivo passar pela blitz na saída do Túnel Novo, o motorista parou no ponto, e o grupo iniciou a ação.

— Olha o cordão da loira, vai! — incentivou um rapaz ao outro, que retornou sorrindo com o colar da mulher nas mãos.

A vítima, perplexa, nem se mexeu. O coletivo fechou as portas e seguiu. Dois pontos à frente, um passageiro tocou a campainha para desembarcar. Foi a deixa para o grupo se posicionar estrategicamente na escada. Assim que a porta foi aberta, um dos jovens saiu correndo e tentou pegar o celular de um adolescente parado no ponto. Ao perceber a ação, ele foi para trás da placa de vidro do abrigo e conseguiu escapar. O menino percebeu que o ônibus já estava dando partida e retornou, sendo criticado pelos colegas.

— Pô, deu mole, otário — disse um deles.

SIRENE INIBE AÇÃO

No domingo, a mesma estratégia foi usada por outro grupo de jovens que viajava no coletivo. Dessa vez, o veículo em que a reportagem embarcou chegou a Copacabana por volta das 10h50m. Bastou virar a esquina da Avenida Princesa Isabel com a Rua Barata Ribeiro para começarem a roubar. Quando o ônibus parou no mesmo ponto em que o jovem havia roubado o colar de uma senhora no dia anterior, um rapaz saiu e tentou atacar uma jovem que teclava no celular. Um carro da polícia que passava pelo local com a sirene ligada inibiu a ação. O ladrão voltou ao ônibus e gritou para ela:

— Deu sorte!

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