Em “deserto de cultura”, moradores alteram  corredor de ônibus e salvam antigo cinema

09/07/2012 - R7

Prédio que abriga o Cine Vaz Lobo seria demolido e agora pode virar centro cultural

Veja a galeria completaSegundo moradores, o cinema faz parte da história do bairro

O amor por seu bairro e pela cultura resultou numa mobilização tão forte que um grupo de moradores do subúrbio do Rio de Janeiro alterou uma das principais obras da prefeitura para a Olimpíada de 2016: a Transcarioca. Eles evitaram a demolição do antigo Cine Vaz Lobo, que estava no caminho do corredor expresso de ônibus.

Até agora seria o único caso de modificação de um projeto público de obras no Rio por conta de um movimento da sociedade civil. O que falta é realizar o sonho de restaurar o cinema, inaugurado na primeira metade do século passado e fechado há 30 anos, para transformá-lo em centro cultural.

A Transcarioca, que ligará o aeroporto Internacional do Galeão, na zona norte, à Barra da Tijuca, na zona oeste da cidade, previa em seu projeto original a demolição de todo o prédio de dois andares em estilo art déco, um dos poucos da região que mantêm a arquitetura original, mesmo em péssimo estado de conservação. Após negociações com os moradores, a prefeitura voltou atrás e alterou o traçado da via exclusiva, que passará pelo largo de Vaz Lobo, mas sem esbarrar no cinema.

Um dos líderes do movimento, o historiador Ronaldo Luiz explica que interesses comuns, como a vontade de resgatar a história do bairro, uniram o grupo, batizado inicialmente como Movimento Cine Vaz Lobo. Após reunirem 800 assinaturas contrárias à demolição do prédio, eles fundaram o Instituto Histórico Baixada de Irajá, que passou a atuar na preservação histórica daquele pedaço do subúrbio, carente de áreas de lazer e centros culturais.

O instituto conseguiu outra vitória na luta pela recuperação do cinema: iniciaram o processo de tombamento do prédio no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O desejo deles é que o Cine Vaz Lobo passe pela mesma transformação do Cine Imperator, que virou Centro Cultural João Nogueira e foi reinaugurado em junho.

O Cine Vaz Lobo foi aberto ao público em 5 de janeiro de 1941. Na inauguração, uma presença ilustre: a primeira-dama Darcy Vargas, esposa do então presidente Getúlio Vargas. Problemas financeiros forçaram o fechamento do espaço, em 1982. O dono do cinema, Antônio Mendes, morreu em 2009.

Cinema faz parte da história dos moradores

O historiador Ronaldo Luiz afirma que aqueles que não conhecem suas origens não podem, de fato, amar o lugar de onde vieram. E o Cine Vaz Lobo faz parte da história da região, mas principalmente do bairro.

— Conheci minha mulher aqui e vinha ao cinema namorar. Nem todos tinham televisão, então as pessoas vinham assistir aos jogos da Copa do Mundo aqui. O cinema era o centro de tudo.

Filmes como “Dona Flor e seus dois maridos”, um dos maiores sucessos do cinema nacional, nos anos 70, lotaram a sala do Cine Vaz Lobo. Marina Oliveira, antiga frequentadora, conta que na Semana Santa eles iam ao cinema antes de ir à igreja. 

— Aqui passava muito filme religioso e todo mundo vinha primeiro no cinema para conhecer as passagens bíblicas e só depois ia para a igreja.

Mordores fundaram instituto que já deu entrada em processo de tombamento do prédio (Foto: Jadson Marques/R7)

Revitalização ainda sem previsão

O advogado Gilson Gusmão, outro membro do instituto, diz que eles já venceram a primeira etapa para revitalização cultural do bairro: impedir que o cinema fosse demolido. No entanto, a segunda fase não tem ainda previsão de como ou quando irá começar.

— Impedimos a demolição, mas agora lutamos para que o espaço seja transformado em um centro cultural para a região. Com a construção da Transcarioca, o prédio ficará no entorno de mais de 30 bairros. São 2,5 milhões de pessoas. Temos um projeto para a revitalização do local.

O projeto do grupo, criado por arquitetos que atuam no instituto, prevê a restauração total do prédio, criação de duas salas de cinema com 200 lugares cada, um cine-teatro com 800 assentos e o aproveitamento dos apartamentos hoje existentes para oferecer cursos, centro de edição de vídeo e áudio e abrigar uma biblioteca.

De acordo com Ronaldo Luiz, o prédio, hoje avaliado em R$ 2,5 milhões, levaria cerca de dois anos para ser reformado, consumindo R$ 10 milhões.

A ex-chefe da bilheteria, Josina Braga da Silva, diz que esse dinheiro será bem investido.

— Trabalhei aqui durante quatro anos. E hoje o povo de Vaz Lobo precisa de algo para despertá-lo. Só temos o Carnaval. As pessoas de hoje em dia não querem muito ir ao cinema, mas é o cinema que nos traz reflexão. 

A segurança dos futuros frequentadores do cinema, situado entre os morros do Juramento e da Serrinha, não preocupa os diretores do instituto. Enquanto a pacificação não vem, Gilson Gusmão afirma que os bandidos ficam restritos às comunidades e não incomodam quem vive no asfalto.

Mas se a proximidade com criminosos parece não preocupar, o mesmo não se pode dizer das tentativas de diálogo com os herdeiros do dono do prédio. Membros do instituto afirmam que apenas uma das herdeiras ainda vive num dos apartamentos do prédio, mas ninguém consegue ter acesso a ela e nem aos demais parentes do seu Mendes. Esse é outro obstáculo a ser vencido pelo movimento.

Modernidade das salas de shoppings não assusta

As grandes e modernas salas multiplex dos shoppings centers não intimidam o movimento. Ronaldo Luiz afirma que a maior parte dos moradores não tem dinheiro para frequentar os “cinemas de luxo” e que a proposta do Cine Vaz Lobo é diferente, prevendo atividades a preços mais populares.

— Essa revitalização servirá para nos trazer mais do que um cinema. Queremos atividades culturais e também incentivar a produção audiovisual local.

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