Sistema BRT completa 5 anos sem motivos para comemorar

06/06/2017 - O Globo

Corredores expressos colecionam problemas como asfalto ruim, vandalismo, assaltos e estações fechadas

POR LUIZ ERNESTO MAGALHÃES E RENAN RODRIGUES

RIO - Morador de Guaratiba, o vigilante Fabiano Trajano reclama da superlotação na Estação Mato Alto do BRT Transoeste. Já usuários do BRT Transcarioca se queixam de assaltos em Campinho. Na Barra, o terminal de integração dos BRTs Transoeste e Transolímpico, que, durante os Jogos de 2016, ficou apinhado de passageiros, agora vive às moscas - construído para receber uma média de 2.200 passageiros por dia, só é utilizado por 220. Cinco anos após ser lançado, o sistema, planejado para proporcionar rápidas ligações com o metrô e os trens, está em xeque. Os problemas se multiplicam nos três corredores expressos de ônibus já implantados na cidade, que foram percorridos pela equipe do GLOBO.

Os dois corredores mais antigos do Rio - o Transoeste e o Trancarioca - foram implantados ao longo de pistas que já existiam e custaram R$ 2,6 bilhões. O BRT Transolímpico saiu por R$ 2,7 bilhões: neste caso, a prefeitura investiu na abertura de uma via com pedágio e duplicou a Avenida Salvador Allende, entre outras intervenções. Um quarto corredor, o BRT Transbrasil, ainda está em construção, e o cronograma de obras apresenta um atraso de mais de um ano.

O BRT Transoeste completa cinco anos nesta terça-feira. Em 2012, permitia uma redução de mais de uma hora nas viagens de Santa Cruz até o Jardim Oceânico, na Barra. Hoje, a situação mudou, devido à grande quantidade de buracos em sua pista. Ao iniciar a construção do corredor expresso, a prefeitura optou por usar asfalto comum, que não vem resistindo ao peso dos ônibus lotados

A situação se agravou nos últimos meses por conta de cortes no orçamento da Secretaria municipal de Conservação e Serviços Públicos. Trabalhos de manutenção deixaram de ser realizados. O problema é mais crítico no trecho da Avenida das Américas em Guaratiba. Este ano, pela primeira vez, também surgiram buracos na altura do Recreio. Ao todo, são 25 quilômetros de piso irregular. A reportagem identificou pelo menos dez pontos em que praticamente não há mais asfalto.

VEJA AS IMAGENS DOS BRTS NO RIO

Buracos na pista, próximo à Estação Santa Eugênia, no BRT TransoesteFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Estação Vila Paciência, na Transoeste, fechada há cerca de um anoFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Passageira embarca na estação Madureira da TransCarioca Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

Portas quebradas na estação Mercadão da TransCarioca permitem acesso sem pagar. No local passageiros esperam na beira da plataformaFoto: ANTONIO SCORZA / Agência O Globo

Esqueleto da estacao Manguinhos na TransBrasil, que após meses parada voltou a ser construídaFoto: ANTONIO SCORZA / Agência O Globo

Engarrafamentos causados pelas obras na TransBrasil, na altura do Mercado São SebastiãoFoto: ANTONIO SCORZA / Agência O Globo

Mais engarrafamentos causados pelas obras na TransBrasil Foto: ANTONIO SCORZA / Agência O Globo

Estação Ilha Pura, da TransOlímpica. Até o meio-dia apenas 6 passageiros entraram no localFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Buraco na pista da TransOlímpica, na altura da estação Catedral do Recreio, na Rua Salvador AllendeFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Poucos carros circulam pela TransolímpicaFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Placa indica o novo reajuste do pedágio na Transolímpica, pouco usada, mas que já teve dois reajustes em cinco mesesFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo


— Infelizmente, a gente comemora os cinco anos do BRT Transoeste com muita tristeza. Há cinco anos, a cidade festejava a implantação do projeto como um grande exemplo de mobilidade urbana. Mas, com tantos buracos, o tempo de viagem aumentou em 40% desde o fim de 2012 — disse Suzy Baloussier, coordenadora de relações institucionais do consórcio que opera o sistema.

Em nota, a Secretaria municipal de Conservação e Serviços Públicos afirmou que a pavimentação do BRT Transoeste foi feito, na gestão passada, "de forma incompatível com o tipo de carga em circulação". "Isso gera um trabalho constante de reparação asfáltica, o tapa-buracos, aplicação apenas paliativa naquele tipo de piso, mas que vem sendo feito de acordo com um cronograma de serviços", diz o comunicado. A solução definitiva, de acordo com o órgão, seria a retirada de todo o asfalto: "Esse procedimento é inviável no momento, tendo em vista o corte de 70% no orçamento da pasta e uma dívida de mais de R$ 3 bilhões herdada do governo anterior".

Nos demais corredores de BRTs, inclusive na obra do BRT Transbrasil, a prefeitura decidiu fazer a pavimentação com concreto. Neles, buracos são mais raros, mas não faltam queixas por outros motivos.

— Muitos ônibus estão sujos, e alguns têm o ar-condicionado quebrado — reclamou a promotora de vendas Kelly Cristine, moradora de Madureira e usuária do BRT Transcarioca.

‘Com tantos buracos na pista, o tempo de viagem (no BRT Transoeste) aumentou em 40% desde o fim de 2012’- SUZY BALOUSSIER

Representante do consórcio que administra o sistema

Um outro motivo de queixa é o vandalismo. Segundo o consórcio que opera as linhas, apenas no ano passado, o prejuízo com depredações chegou a R$ 5,5 milhões. Nessa conta entra, por exemplo, a reconstrução da Estação Vila Queiroz (em Madureira), que foi incendiada. Segundo Suzy Baloussier, em algumas casos, os ataques têm hora e local para acontecer:

— Os vândalos agem mais nas noites de sexta-feira e sábado. Depois de cada fim de semana, dez coletivos, em média, passam por reparos. Muitos são atacados a pedradas quando passam perto de bailes funk que acontecem no Complexo da Maré.

Em março, a Estação Cesarão III do BRT Transoeste, em Santa Cruz, foi fechada após uma depredação e não reabriu mais. No mesmo bairro, a Estação Vila Paciência deixou de funcionar devido a ameaças do tráfico. Tanto no BRT Transcarioca quanto no Transoeste, várias estações se encontram com portas quebradas. No Transcarioca, nas proximidades da Estação Capitão Menezes, na Praça Seca, até as grades de ferro que separam as pistas foram arrancadas. A violência também atinge diretamente os passageiros.

— Já testemunhei dois assaltos na Estação Pinto Teles (em Campinho). Parei de usar o BRT por falta de segurança — afirmou um morador da região, que pediu para não ser identificado.

Em janeiro, o consórcio do BRT tentou fechar uma parceria com a Secretaria de Ordem Pública (Seop) para colocar guardas municipais nas estações. Na época, o titular da pasta, Fernando Mac Dowell, disse que cerca de 700 agentes seriam mobilizados. O projeto, no entanto, não saiu do papel. A Seop alegou que a assessoria jurídica da prefeitura recomendou que a parceria não fosse firmada. De acordo com o órgão, um artigo do contrato de concessão das linhas de ônibus, firmado em 2010, prevê que as empresas do setor arquem com as despesas de segurança.

‘Muitos ônibus estão sujos, e alguns têm o ar condicionado quebrado’-KELLYCRISTINE, Passageira

Mac Dowell afirmou que o município vem desenvolvendo estudos para avaliar a demanda de cada estação de BRT. Isso, de acordo com o secretário, permitirá "um remodelamento do sistema". Mas ele não deu prazo para a implantação de eventuais mudanças.

Um outro problema do BRT está relacionado à demanda. No trecho em funcionamento do Transolímpico, entre o Recreio e a Vila Militar, a previsão inicial era que 70 mil passageiros o utilizassem a cada dia. No entanto, atualmente, só vem recebendo 29 mil (41% da capacidade projetada), o que fez com que o consórcio desativasse algumas estações. Outras, como a Ilha Pura, localizada em frente ao condomínio onde os atletas dos Jogos ficaram hospedados, está sempre vazia. Na última quarta-feira, apenas 21 passageiros passaram pelo local das 5h ao meio-dia.

— É uma estação fantasma — resume um funcionário do BRT.

A via expressa construída com o corredor para ônibus também tem demanda reduzida. Administrada por uma concessionária privada, a Transolímpica pode receber, segundo a empresa, 90 mil veículos por dia. Porém, 60 mil cruzam atualmente seus 26 quilômetros, o equivalente a 67% da capacidade esperada. A Via Rio, responsável pela administração, destaca que 20 mil veículos não pagam o pedágio, cujo valor (R$ 7) foi reajustado anteontem.

Para o especialista em transportes José e professor da PUC-Rio José Eugenio Leal, os problemas do sistema BRT, principalmente nos corredores Transoeste e Transolímpico, mostram que faltou uma integração entre projetos urbanísticos e de mobilidade, ao contrário do que aconteceu em Curitiba, primeira capital a apostar em grandes corredores viários.

— Curitiba planejou a expansão do BRT à medida que a cidade ia crescendo. Aqui, a oferta de transportes chegou primeiro. No futuro, à medida em que as áreas do entorno dos corredores forem ocupadas, poderá haver aumento de demanda. No Transcarioca, a situação é oposta, o sistema fica mais cheio porque passa por áreas de grande densidade populacional. Pelo que parece, os projetos foram concebidos sem que o potencial de desenvolvimento de algumas regiões fossem considerados — argumentou Leal.

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