14/02/2016 - O Globo
De acordo com projeto, o Rio terá 700 coletivos a menos nas ruas e 78 linhas extintas, até março
POR RENAN FRANÇA
Um ônibus da linha 464, que deveria circular do Maracanã a Botafogo, passa por Copacabana - Domingos Peixoto
RIO - Troncal 4, Integrada 8, Circular 2. Podem soar estranhos, mas esses são alguns dos nomes que o carioca teve que aprender para andar de ônibus pela cidade. Tudo começou em outubro, quando a prefeitura deu início a um plano para reorganizar itinerários. De lá para cá, o município vem tirando linhas de circulação e encurtando trajetos, para proporcionar maior eficiência ao sistema. De acordo com o projeto, até março, o Rio terá 700 coletivos a menos nas ruas — ou 35% dos cerca de dois mil que circulavam na época — e 78 linhas estarão extintas. O problema é entender essa nova configuração: com tantos nomes e números diferentes, sobram dúvidas entre passageiros. E empresas estão se aproveitando da confusão: com uma fiscalização ainda ineficiente, algumas alteraram itinerários por conta própria, sem autorização do poder público.
Nos últimos quatro meses, 19 linhas tiveram seus trajetos alterados pela prefeitura. O GLOBO constatou que os itinerários de pelo menos duas delas foram “esticados” pelas empresas: a 433 (Vila Isabel-Praia de Botafogo, antiga Vila Isabel-Leblon) e a 464 (Maracanã-Praia de Botafogo, antiga Maracanã-Leblon). Ônibus de ambas foram flagrados circulando por Copacabana. Funcionários justificam a mudança ilegal afirmando que 80% dos passageiros da Zona Norte desejam ir para a Zona Sul em um só ônibus. Para atender aos que não querem fazer baldeação em frente ao shopping RioSul, em Botafogo, essas linhas estão “cruzando a fronteira”, como dizem motoristas e cobradores.
TRAJETO MUDA COM LOTAÇÃO
De acordo com passageiros que utilizam diariamente a 433 e a 464, três semanas atrás os ônibus seguiam até a Avenida Prado Júnior, em Copacabana. Mas, como a equipe de reportagem verificou na sexta-feira, o itinerário das duas já foi ampliado até a Rua Siqueira Campos.
— Eu perguntei a um motorista, e ele disse que era algo extraoficial. Achei bom, porque saio todos os dias de Vila Isabel e vou para Copacabana. O único problema é que alguns deles mudam o itinerário de acordo com o horário e o trânsito — conta a estudante Elisa Barreto.
Há também casos de pequenos desvios de trajeto. Os ônibus da 434 (Grajaú-Botafogo, antiga Grajaú-Leblon), segundo passageiros, depois que passa pela Lapa, seguem para a Glória por um caminho que varia de acordo com o humor do motorista. Se o veículo está cheio, geralmente vai pela Rua da Lapa. Se não está, pela Augusto Severo.
Mas nenhum caso é mais curioso que o da 011 (Cinelândia-Rodoviária Novo Rio). Antes do processo de racionalização, a linha, oficialmente, circulava entre a Novo Rio e o Bairro de Fátima. Moradores antigos do bairro, porém, afirmam que ela só existia no papel, pois não era vista nem ali, nem na rodoviária. Depois da mudança, no entanto, o 011 passou a circular pelo Bairro de Fátima, fazendo ponto final na Avenida Nossa Senhora de Fátima.
— Quando a prefeitura divulgou que a linha 011 não ia passar mais pelo bairro, eu não entendi. Essa linha nunca existiu — afirma Odete Carvalho, moradora do bairro há 22 anos. — As pessoas acabam não usando a linha porque não sabem onde vão parar.
O esvaziamento de algumas linhas fica evidente quando se olha para os números. A 213 (Muda-Castelo, antiga Muda-Leblon), por exemplo, transportava oito mil passageiros de manhã em dias úteis. Depois da mudança, o número não passa de dois mil, segundo uma fonte da empresa, que pediu anonimato. Os passageiros estão evitando linhas com trajetos encurtados, porque são obrigados a pegar outro ônibus para chegar ao destino. Quem usa o Bilhete Único não paga a segunda passagem caso a baldeação aconteça em até duas horas e meia.
As alterações atingiram as zonas Norte, Oeste e Sul. No entanto, é difícil apontar o bairro mais prejudicado. Quem mora no Leme, por exemplo, não consegue ir ao Centro sem antes passar por algumas ruas de Copacabana. A 190 (Rodoviária Novo Rio-Leme) foi extinta. Restou apenas a 472 (Leme-Triagem), que deixou de entrar na Avenida Princesa Isabel para seguir viagem pelo Túnel Velho (que dá acesso a Botafogo). Passageiros que fazem todo o percurso dizem que passaram a levar mais de duas horas para chegar ao ponto final.
— Se eu quiser chegar mais rapidamente ao Centro ou à Zona Norte, preciso caminhar alguns quarteirões até a Avenida Princesa Isabel, onde há outras opções — diz a psicanalista Phrygia Arruda, que deixou de ser uma passageira assídua da 472.
Em alguns casos, a retirada de antigas linhas provocou uma superlotação em ônibus das novas. Em Copacabana, como a 162 (Leblon-Lapa) saiu de circulação, moradores tiveram de migrar para a Troncal 2, que vai da Praça General Osório, em Ipanema, até a Novo Rio. Para muitos passageiros, a linha recém-criada se tornou a única opção para bairros como Lapa e Centro.
No Leblon, há problemas semelhantes. Como a ligação com o Centro ficou restrita, moradores têm que optar pela Troncal 3 ou fazer baldeação em Botafogo. Segundo o engenheiro Luiz Antonio Ferigotti, morador do Leblon, a viagem para chegar ao trabalho no Centro ficou mais demorada:
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— Não vejo vantagem. Eu tinha à disposição ônibus com ar-condicionado e agora não é sempre que viajo em coletivos refrigerados. O pior é demorar mais de uma hora até o trabalho.
As linhas troncais têm esse nome porque circulam por grandes corredores da Zona Sul e fazem ligação com o Centro. Já as integradas saem da Zona Oeste com destino ao RioSul — para seguir para o Centro, é preciso pegar uma troncal.
TRÂNSITO NÃO MELHOROU
As mudanças reservaram “pegadinhas”. A Circular 1 (Leblon-Cosme Velho) é um exemplo. Quem embarca no Largo do Machado tem a impressão de que o ônibus vai para o Leblon, via Copacabana, como indica o letreiro. E fica surpreso ao ver que, antes, o coletivo dá uma esticada até a Urca.
— Eu estava com pressa para ir para o trabalho e, ao ver no letreiro que o ônibus ia para Copacabana, embarquei. Mas ele vai até a Urca antes e não há informação sobre isso. — diz o empresário Renato Campos. — Nos pontos, não há nada que indique a nova configuração. Além disso, há cartazes com informação defasadas, que ajudam a confundir ainda mais.
Uma das maneiras de driblar a falta de informações poderia ser o aplicativo Vá de Ônibus. Mas o sistema trava constantemente, prejudicando a busca por informações.
O Rio Ônibus, sindicato das empresas municipais, distribui folhetos com informações sobre as mudanças a cada nova etapa. O problema é que a divulgação começa uma semana antes e termina logo na seguinte. Segundo a prefeitura, o Rio Ônibus já foi multado em R$ 50 mil por falhas na comunicação.
Para especialistas, era preciso mesmo reorganizar o sistema de transporte. Eles destacam, porém, que a mudança não foi bem planejada. Paulo César Ribeiro, engenheiro de transporte da Coppe/UFRJ, diz que as alterações estão sendo feitas na base da tentativa:
— Do jeito que está, não vão conseguir implementar mais mudanças, pois o sistema não está dando certo. A cidade precisava eliminar as linhas sobrepostas, mas o planejamento, como todos estão vendo, está falhando.
O especialista em sistema de inteligência em transporte Alexandre Rojas, professor da Uerj, afirma que está reunindo dados para a publicação de um estudo sobre o impacto das mudanças no trânsito da cidade, incluindo os corredores BRS. Mesmo sem a conclusão do estudo, ele diz que não sentiu qualquer alteração:
— De acordo com a prefeitura, há menos ônibus nos corredores exclusivos, mas isso não quer dizer que o trânsito vá melhorar. A minha impressão é que está a mesma coisa.
MUDANÇAS COM PROBLEMAS
No primeiro dia útil das primeiras mudanças, há quatro meses, passageiros que moravam na Zona Oeste tiveram muitos problemas. Como a viagem para fazer a baldeação no RioSul em muitos casos excedia o tempo-limite do Bilhete Único, vários usuários precisaram pagar duas passagens. No dia seguinte, a prefeitura divulgou que o Fashion Mall, em São Conrado, seria o novo ponto de troca de linhas.
A vereadora Teresa Bergher (PSDB) diz que fará uma reunião com o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, nas próximas semanas. Segundo ela, estarão em pauta reivindicações de moradores de vários bairros prejudicados com as mudanças nos ônibus.
— O grave é que as alterações foram feitas sem consultar a população. Eu concordo que deveria haver uma racionalização, mas, pela quantidade de reclamações, é possível ver que a maioria dos usuários teve suas vidas impactadas de maneira negativa.
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O secretário Rafael Picciani não deu entrevista. A prefeitura, porém, divulgou uma nota afirmando que equipes de fiscalização vão checar se os itinerários determinados para as linhas estão sendo desrespeitados. Caso a irregularidade seja confirmada, os consórcios estão sujeitos a multa.
O Rio Ônibus informou que vai orientar as empresas a conversarem com seus motoristas sobre a necessidade de cumprir os itinerários. Em relação à divulgação das mudanças, disse que já foram distribuídos mais de 600 mil folhetos informativos em 94 pontos de grande movimentação de passageiros.
No dia 20, começa mais uma fase de mudanças. Cinco linhas serão extintas; três, criadas; e uma, alterada.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/usuarios-seguem-confusos-com-alteracoes-de-linhas-de-onibus-18670803#ixzz4092eGIKn
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