10/02/2016 - O Globo
RIO — A sensação de circular dentro de um ônibus do BRT Transoeste, de Santa Cruz até a Barra, é comparável à de estar dentro de um liquidificador, tamanha é a quantidade de buracos, calombos e remendos no meio do caminho. Há problemas tanto em frente às estações quanto em outros pontos das pistas, o que torna as viagens mais longas e perigosas. A má qualidade da via já deixou gente ferida dentro dos ônibus e provocou defeitos nos veículos. Quando chove, a situação do asfalto só piora — as fendas parecem se multiplicar e se tornam ainda maiores.
PROBLEMAS DESDE A INAUGURAÇÃO
Inaugurado em 2012, com 52 quilômetros de extensão, entre Campo Grande e o Terminal Alvorada, o corredor expresso coleciona problemas. Passageiros contam que, logo após o início do funcionamento do BRT, as pistas já apresentaram sinais de que não suportariam os veículos. E os trabalhos de recapeamento em alguns trechos não têm dado jeito na buraqueira. No asfalto recente, já é possível ver verdadeiros "quebra-molas”. Em todo o percurso, o quadro é mais dramático entre as estações Pingo D’Água e Ilha de Guaratiba, ambas em Guaratiba. Lá, é difícil encontrar cem metros de pista que não apresentem qualquer problema, que incluem a falta de divisória entre a via exclusiva e a destinada aos demais veículos.
— Já aconteceu de eu estar num ônibus e o eixo de uma das rodas traseiras se quebrar por causa de um buraco. O pneu também estourou. Foi entre as estações Magarça e Mato Alto, em Guaratiba. As pistas estão horríveis — reclama a passageira Rita de Cássia Moutinho, de 61 anos, cuidadora de idosos que usa diariamente o transporte para ir de casa, em Guaratiba, até o trabalho, na Barra. — Se não fosse essa buraqueira, seria uma transporte muito bom.
ESPECIALISTA APONTA ERRO DE PROJETO
Ana Lúcia Serra, de 50 anos, outra usuária diária do sistema, teme um acidente.
— Fico preocupada de o ônibus cair num buraco ou dar uma freada por causa de uma dessas falhas e levar todos os passageiros para frente. O asfalto está muito esburacado — diz ela, que trabalha como empregada doméstica na Barra e mora em Ilha de Guaratiba
Um motorista do Transoeste conta que se machucou uma vez ao passar por uma cratera em frente à estação de Ilha de Guaratiba.
— Estava chovendo, e eu precisei frear bruscamente para não quebrar o carro num buraco, nem ferir os passageiros. Acabei machucando a mão na pancada com o volante, sofri uma luxação. Mas um colega meu passou por algo parecido e destroncou um dos dedos, indo parar no hospital — relata ele, que prefere não se identificar. — A questão é que usaram asfalto aqui em vez de concreto, que seria muito mais resistente. Tanto que agora, no trecho do BRT que estão fazendo entre o Alvorada e o Jardim Oceânico, o piso é de concreto, assim como no Transcarioca (entre o Terminal Alvorada e o Aeroporto Internacional Tom Jobim).
O funcionário diz que é só chover para o asfalto ceder ainda mais. Embora em Santa Cruz e Guaratiba as falhas sejam mais recorrentes, Recreio e Barra não estão livre de calombos e buracos.
— A prefeitura não vem recapear com constância o asfalto. O que fazem é jogar asfalto por cima dos buracos, criando calombos parecidos com quebra-molas. Nem máquinas usam para nivelar a pista, cabendo esse trabalho aos ônibus e seu peso sobre o asfalto — diz o motorista.
Para Eva Vider, engenheira e professora da Escola Politécnica da UFRJ, as pistas teriam mais qualidade se fossem de concreto no lugar de asfalto.
— Não existe ali infraestrutura para suportar aquele tipo de veículo. O material usado não é apropriado para aguentar o peso dos carros, que passam geralmente lotados, nem o nosso calor tropical. É comum o asfalto se deslocar para o alto devido a essas condições — afirma Eva, confirmando que, no segundo trecho do Transoeste, até o Jardim Oceânico, está sendo aplicado mesmo concreto, material mais resistente para esse tipo de sistema. — Acho que foi um erro de projeto. A qualidade da pavimentação não é boa. Só que concreto é mais caro e faz a obra levar mais tempo.
FALHAS NO AR-CONDICIONADO
A especialista lembra que cerca de 20% da frota do BRT já quebrou antes do previsto em decorrência do mau estado das vias. Ela ressalta ainda outro problema do Transoeste: em Santa Cruz, a pista exclusiva é inexistente, o que leva os veículos do BRT a circularem entre carros de passeio. Na tarde da última segunda-feira, mais de um ônibus do sistema podia ser visto trafegando fora da faixa da esquerda. por onde deveria circular. Por volta das 15h, em frente à estação Cajueiros, um coletivo do BRT avançou o sinal vermelho.
— O serviço no asfalto não foi bem feito, e o material usado é de má qualidade. Viajamos chacoalhando dentro do ônibus. E ainda sofremos com os carros sem ar-condicionado. Alguns circulam de portas abertas porque o calor lá dentro é insuportável — queixou-se na tarde de segunda a empresária Flávia Amado, de 38 anos, apontando, na chegada à estação Cajueiros, um ônibus com as portas abertas.
A Secretaria municipal de Obras informou, sobre a pavimentação do Transoeste, que a pista foi feita com SMA (Stone Mastic Asphalt), "um revestimento resistente e adequado para cargas pesadas”. De acordo com o órgão, o SMA tem, entre seus benefícios, permitir a rápida liberação da via após a sua aplicação, feita a frio, "fundamental no sistema de BRT para que os ônibus possam continuar operando na pista exclusiva”. A opção por usar o material foi técnica, disse a secretaria, porque o solo da região é mole, e o concreto não seria adequado. A construção das pistas custou R$ 1,1 bilhão.
Quanto ao sistema de refrigeração, o consórcio que opera o BRT disse que ele foi "dimensionado para suportar o verão carioca”. "As empresas que constituem o consórcio operacional realizam a manutenção regular do equipamento e recebem assessoria técnica direta dos fabricantes. Ainda assim, falhas podem ocorrer”, admitiu, em nota, pedindo aos usuários que denunciem falhas usando canais como o Facebook.
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