Com o bairro na prancheta

20/11/2014 - O Globo


Talvez o morador da Barra da Tijuca não saiba, mas o trabalho de Jozé Cândido Sampaio de Lacerda Jr. ajudou a moldar o cotidiano de toda a região. Após 34 anos como funcionário público municipal, período em que atuou em projetos como a duplicação da Avenida das Américas (em 2000), o arquiteto e urbanista cuida, desde 2009, exclusivamente do escritório ZK Arquitetos Associados. Dali saiu o projeto de um dos novos símbolos da Barra: as estações de BRT. A influência dele não para por aí. O Terminal Alvorada remodelado surgiu de sua prancheta. Lacerda projetou também as novas passarelas da Avenida Ayrton Senna, entregues este ano. E, em breve, virá à luz o desenho do terminal do Parque Olímpico, a tempo dos Jogos de 2016. Ao GLOBOBarra, o arquiteto fala sobre os conceitos que nortearam a criação das estações do BRT e sobre sua visão da Barra.

Na hora de criar o projeto das estações, do BRT, quais foram suas principais preocupações?

Como era a primeira vez de um projeto assim no Brasil desde Curitiba, foi importante ter um protótipo, a estação do Novo Leblon. Ali aplicamos vários conceitos importantes. O primeiro era a refrigeração da estação sem arcondicionado. Todo mundo dizia: tem que ter ar-condicionado. Expliquei que era impossível. Como ter aparelhos de ar-condicionado em mais de 60 estações e que deem conta de portas abrindo e fechando a toda hora? Imagina o custo de manutenção disso. O que fizemos, então, foi usar técnicas de arquitetura para tornar o espaço mais fresco. Pode-se ver que a estação é quase toda feita em vidro, o que teoricamente esquentaria o espaço, mas conseguimos evitar isso com o telhado grande e curvo, que impede que o sol bata. Colocamos paredes de metal perfurado, permitindo, assim, que o ar circule. Também criamos uma separação entre o telhado e o teto da estação, com a mesma função. Por fim, colocamos o que chamamos de captador eólico, um equipamento que fica entre o teto e o telhado. Ele capta vento quando a estação está vazia e tira o ar quente quando ela está muito cheia. E fizemos toda a iluminação com LED. Me disseram que era muito caro, mas sabíamos que valia a pena, porque ela dura mais e gasta menos energia, o que corta o custo de manutenção.

Parece que uma grande preocupação foi com o custo de manutenção.

Sim, foi uma das nossas principais preocupações. Por isso colocamos vidro e aço, que são mais resistentes e duráveis. Não adianta fazer algo lindo e cheio de equipamentos se vai estar tudo quebrado por falta de manutenção. Foi a razão pela qual não colocamos banheiros nas estações. Ficaria um nojo em uma semana e não haveria manutenção no mundo capaz de mantêlos limpos. Argumentei que, se ponto de ônibus não tem banheiro, estação de BRT também não poderia ter.

Qual foi o conceito norteador da reforma do Terminal Alvorada?

Foi outro desafio grande, porque recebemos de saída o número de linhas de ônibus e o número de vagas para BRT que seria preciso ter no projeto. Era muito em um espaço relativamente pequeno. Chegamos ao conceito de uma platafoma central para os BRTs e para os alimentadores e dois subsolos. Um deles não saiu do papel, então ficou um pouco desequilibrado, mas acho que vão consertar isso. O mais importante foi feito, que é ter segurança e conforto no terminal. Por conforto se entende fazer a integração dos dois sistemas, do ônibus com o BRT, da forma mais fácil possível. Não queríamos passarela. Nada que obrigasse o passageiro a subir ou descer escada para mudar de modal.

Com o que vocês estão trabalhando agora?

No sistema modal estamos com a Transolímpica. Especificamente na Barra, temos o projeto do terminal do Parque Olímpico. A Transolímpica, no trecho da Salvador Allende, tem a curiosidade de que talvez tenhamos um "bichoduto", uma espécie de mergulhão para a passagem de animais. Estamos conversando sobre isso ainda. Inicialmente queriam que eu fizesse um mergulhão de dois metros, o que só teria sentido se passassem elefantes ou girafas por ali.

Que detalhes o senhor pode dar do terminal do Parque Olímpico?

Não posso dizer muito porque o projeto ainda não foi apresentado à prefeitura. Será o terminal que atenderá a todo o Parque Olímpico e terá integração com o BRT.

Há quanto tempo o senhor está na Barra e como a vê hoje, urbanisticamente?

O escritório foi criado aqui em 1982. Acho o urbanismo da Barra uma coisa complicada. Meu projeto de conclusão de curso, em 1978, foi uma avaliação do Plano Lucio Costa. Com o passar do tempo, foi-se deturpando muita coisa do plano. A Barra se criou em feudos de condomínios fechados, e isso nunca foi consertado. Perdeu-se a escala humana; só se tem isso no Jardim Oceânico. Muitos planos bons ficaram no papel.

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