Transcarioca: imóveis no Campinho são destombados para dar passagem a corredor de ônibus previsto para Copa 2014

MEMÓRIA


Publicada em 02/08/2010 às 23h01m
Luiz Ernesto Magalhães - O Globo - 02/08/2010
    RIO - O progresso vai literalmente derrubar o passado na Zona Norte. O prefeito Eduardo Paes decidiu destombar cerca de dez prédios, incluindo uma antiga estalagem, no Largo do Campinho, que foram construídos no início do século 20. Os imóveis condenados estão no traçado do Transcarioca, a linha de ônibus a ser construída em corredores exclusivos que ligará a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim e que o governo planeja inaugurar até a Copa do Mundo de 2014.
    Os imóveis fazem parte da ambiência do entorno do Forte Nossa Senhora da Glória do Campinho, na Rua Ernani Cardoso, que hoje está meio escondido por um matagal. A construção, do século XIX, foi uma das primeiras fortificações construídas em terra para proteger a antiga Estrada Real de Santa Cruz, que ligava o centro da antiga colônia aos bairros mais afastados da cidade.
    - A gente lutou pela preservação do conjunto arquitetônico. A história de uma cidade também se faz com a preservação de elementos das memórias dos bairros. Construções antigas são uma raridade nos subúrbios e deveriam tentar ser preservadas. Se isso acontece na Zona Sul, haveria comoção - lamenta o cartógrafo Jorge Furman, integrante do Grupo de Pesquisa do Subúrbio Carioca, dedicado à preservação da memória daquela região.
    A decisão de preservar os imóveis foi tomada pelo ex-prefeito Cesar Maia em 2004 a pedido dos moradores. O poder público, no entanto, não se preocupou em tentar ajudar na manutenção. Hoje, os prédios estão em péssimo estado de conservação e as dependências se encontram divididas entre lojas e residenciais. Atrás e ao lado das construções, surgiu uma extensão da Favela do Campinho com cerca de 100 casas, cujos moradores também terão que ser reassentados pela prefeitura.
    O comerciante Jorge Hudson Valentino de Souza, que aluga por R$ 650 uma das lojas para guardar materiais reciclados que recolhe de catadores, mantém na porta um anúncio onde informa ter interesse de passar o ponto. Ninguém apareceu. Ele reclama da incerteza em relação ao projeto do Transcarioca.
    - Eu só vejo funcionários da prefeitura de lá para cá fazendo um monte de medições. Mas, até agora, ninguém foi comunicado quando terá que sair.
    Paes destombou o imóvel sem consultar o Conselho municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural. Para isso, ele se valeu de brecha na legislação municipal que permite ao prefeito por ato administrativo retirar a proteção em caso de interesse público.
    - Claro que não é bom perder patrimônio. Infelizmente os imóveis já estão muito degradados, como um reflexo do próprio esvaziamento econômico da Zona Norte a partir da década de 80. Mas, durante as obras, nós estaremos atentos por considerar que aquela é uma área com enorme potencial arqueológico pela proximidade das obras com o forte - explicou o subsecretário municipal de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design, Washington Fajardo.
    A Secretaria municipal de Obras informou que o traçado do Transcarioca foi exaustivamente estudado. Mas que desviar dos prédios exigiria desapropriações em escala maior, elevando os custos do projeto. A região também é um dos trechos de maior complexidade da obra. No local será construído um mergulhão para o corredor expresso atravessar o Largo do Campinho, que fica em movimentado entroncamento das avenidas Intendente Magalhães e Cândido Benício e as ruas Ernani Cardoso e Domingos Lopes.

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